O meu primeiro amor
O efeito que um mero objeto pode ter, impressiona até os mais céticos críticos do desporto rei.
Sobre a areia, a gravilha, o alcatrão, o sintético ou sobre o relvado, ela nunca deixa de rolar. Talvez seja a forma mais simples e direta de impressionar uma criança. Comigo não foi diferente…
Recuando vinte e cinco anos no meu percurso de vida, dou por mim no meu primeiro dia de aulas. Tímido, retraído, sem conhecer ninguém, acabo por distrair-me olhando para a bola, que eficazmente um menino balança de mão para mão, enquanto espera que o portão da escola abra e receba mais um ano letivo. O nervosismo inerente ao primeiro dia de uma vida escolar, acalma com a observação do meu brinquedo favorito. Sim, tal como vocês que estão a ler o texto, eu também perdi-me de amores por ela, passando horas a fio a contemplar a esfera perfeita, que tinha a particularidade de saltar e ganhar força, a cada remate que fazia contra o muro que cercava a casa dos meus avós.
De seguida, uma auxiliar de educação aproximou-se da entrada da escola e abriu vigorosamente o portão, gritando a alto e bom som: “Sejam bem-vindos a mais um ano letivo!”. Despedi-me da minha Avó Alice e segui o grupo que ordeiramente alinhado, entrava no recinto escolar cumprimentando a simpática senhora de sorriso aberto, que parada de semblante alegre, conhecia os novos alunos. Timidamente sento-me num banco de cimento, perto de uma sala de aula do rés do chão do edifício principal, enquanto alguns meninos jogavam com a bola que anteriormente via. A professora tardava em chegar, sozinho, sem a minha família por perto e sem ter feito nenhuma amizade, ganho coragem e aproximo-me do grupo de crianças, que delineando balizas e campos com as suas mochilas realizavam um jogo entre si. Um menino, após perder uma bola pela improvisada linha de fundo, para e olha fixamente para mim, dizendo de seguida: “Como é que te chamas? Porque não jogas pela nossa equipa? Estamos com menos um jogador!”, meio envergonhado respondo: “Não conheço ninguém…”. Prontamente, mais dois rapazes vieram em meu encontro, tiraram a minha mochila, puxaram-me por um braço e disseram: “Achas que nós conhecemos todas as crianças que estão a jogar? Anda, temos de ganhar o jogo!”.
O empolgamento de ver a bola chegar aos meus pés, fez o mundo parar de girar. Ao meu encontro vem um rapaz, bem mais alto que eu, na busca incisiva pela bola. Um colega alertando para o efeito diz: “Estou sozinho, passa-me a bola!”, num belo passe que sobrevoa o campo de mochilas, deixo o meu colega sozinho na cara do guarda-redes, puxando a “culatra” atrás: “puuuuum”, o som ficaria para sempre marcado na minha memória, a nossa equipa marcava o seu primeiro golo. Enquanto corro para abraçar o meu colega, ele com dedo bem firme diz-me: “No próximo intervalo, vais jogar quer queiras ou não!”.
Naquele momento percebi, o poder da inclusão do futebol. Todos podem jogar, sonhar e participar, seja de que maneira for. Com mais ou menos jeito, com maior ou menor dimensão. Ali aprendi a amar o futebol, o meu primeiro amor.