O primeiro brinquedo
Lembro-me como se fosse ontem. Não era Natal, nem o meu aniversário. Era só mais um dia banal, desses que ninguém espera que se transforme em memória. O meu pai chegou a casa com um saco de plástico na mão, velho, meio roto, com qualquer coisa redonda lá dentro. Trazia aquele sorriso meio disfarçado que só mostrava quando queria surpreender. E então, puxou de lá… uma bola. Era simples. De borracha, leve, sem marca, sem cores de clube, sem nada de especial, a não ser para mim. Para mim, era tudo. Nunca tinha tido uma bola só minha. Até ali, jogava sempre com a dos outros, à espera de ser escolhido, de ter sorte. Mas agora… agora tinha o meu próprio mundo redondo nas mãos.
Corri para a rua com ela ainda a cheirar a novo. Chamei logo os miúdos da minha rua. Não havia balizas, claro. Usávamos duas pedras ou mochilas, como sempre. E ali ficámos, até o sol se esconder, a jogar com uma alegria que nenhum campo relvado pode dar. Foi com aquela bola que aprendi a cair e a levantar-me. A perder, a não desistir, a jogar em equipa, a dar tudo. Mesmo quando a bola começou a ficar gasta, com a borracha a abrir-se e o ar a fugir aos poucos, eu continuei a levá-la comigo. Era mais do que um brinquedo, era um pedaço de mim.
Hoje, sempre que passo por um campo ou vejo um miúdo com uma bola nova debaixo do braço, sorrio. Porque sei o que aquilo pode significar. Às vezes, é só um objeto. Outras vezes, é o início de um sonho. A minha história com o futebol começou ali. Não com estádios, nem camisolas de craques. Começou com uma bola simples e um coração cheio. E sabes que mais? Foi mais do que suficiente.