“Quo vadis”, Brasil?
A decadência da seleção canarinha é notória. Por onde vai este Brasil e que futuro podemos esperar da seleção comandada por Fernando Diniz?
Até custa a crer, mas a seleção brasileira não é campeã do mundo há vinte e um anos. Sim leram bem, a seleção que apaixonou tudo e todos, não vence a principal prova de seleções, há mais de duas décadas!
Curiosamente, o Brasil entra na minha primeira memória futebolística (no que a seleções nacionais diz respeito). Num final de tarde soalheiro, com apenas 6 anos de idade, estava colado à televisão, aguardando o evento que tudo e todos falavam: a final do Campeonato do Mundo de 1998, jogado no majestoso Stade de France. Confesso que ainda não tinha grande afeição pelo desporto rei, mas a forma entusiasta como via os demais a falar dos craques de ambos os conjuntos, despertou o meu interesse. Embora Brasil e França estivessem em pé de igualdade em termos futebolísticos, a magia, a ginga, a arte e o engenho dos brasileiros marcou-me para sempre. O resultado foi o que menos agradou-me. Três a zero para os franceses e Zidane no topo do mundo. Falando do jogo propriamente dito, Dunga e César Sampaio foram incapazes de parar o jogo entre linhas do astro francês, Rivaldo e Leonardo não conseguiram impor a sua criatividade e na frente um fragilizado Ronaldo (havia tido uma “estranha” convulsão na véspera do jogo) formava uma dupla ineficaz com Bebeto. Há quem diga, que existiu todo um esquema montado pela FIFA em torno desta incrível final. Talvez nunca venhamos a saber a verdade. Após o jogo fiquei com uma certeza, a seleção brasileira seria a partir daquele momento, a minha segunda seleção.
Quatro anos mais tarde, o Brasil mostrou outra cara. Liderados por Cafu, o “escrete” formou uma das melhores seleções de todos os tempos. Uma constelação de estrelas, que dominou o Mundial de 2002 realizado na Coreia do Sul e Japão. Da defesa para o ataque, saltava à vista uma seleção que colocava em sentido qualquer adversário: Roberto Carlos, Ronaldinho, Rivaldo e Ronaldo era os nomes mais sonantes, porém não faltava qualidade aos demais. O timoneiro era Luiz Felipe Scolari, experiente treinador brasileiro, que aos olhos de uma jovem criança parecia vil e rigoroso. Não sei se seria pelo vistoso bigode ou pelo franzir do rosto, sempre em forma de constante julgamento, consoante cada jogada ou ação dos seus jogadores. Mal sabia eu, que pouco tempo depois do Campeonato do Mundo, acertaria contrato com a seleção portuguesa.
O Brasil pulverizou a concorrência e foi totalmente demolidor. Jogou e venceu os sete jogos que culminaram na conquista do Penta. Após a fatídica final diante da França, os brasileiros voltaram a sorrir, desta feita diante da poderosa Alemanha, liderada pelo histórico Rudi Völler. O melhor jogador e artilheiro da competição foi Ronaldo, que naquele ano fazia jus ao cognome “fenómeno”. Ele mais que ninguém, merecia esta conquista. Com um penteado idêntico ao mítico Cascão, driblou as atenções e ocultou os problemas físicos que o massacraram na preparação da prova. Na final foi ele e mais dez, ou então podemos dizer que foi ele e Oliver Kahn, pois a melhor memória que guardo, é precisamente Ronaldo de dedo bem firme a comemorar os seus golos. Para sempre, fica a memória do erguer da taça. Bem no alto, Cafu levantou o grandioso troféu, que voltaria a colocar o Brasil no topo do mundo.
De 2002 até 2023, pouco há a acrescentar. Falta de ideias, pobreza tática, falta de ídolos e maior falta de referências. Todos sabiam que Ronaldo não duraria para sempre e que a magia de Ronaldinho acabaria por desvanecer. No meio deste inevitável prognóstico apareceu Kaká e mais tarde Neymar. Nem um nem outro, conseguiram trazer de novo a felicidade a um povo injustiçado pelas questões politicas e sociais.
E o que dizer da componente tática? De 2002 até aos dias de hoje, passaram pelo comando técnico da canarinha: Carlos Alberto Parreira (2003-2006), Dunga (2006-2010), Mano Menezes (2010-2012), Luiz Felipe Scolari (2013-2014), Dunga (2014-2016), Tite (2016-2022), Ramon Menezes (2023 - de forma interina) e Fernando Diniz (atual selecionador interino). Falamos portanto de oito mudanças no comando técnico e sete treinadores diferentes. O padrão comum? Nenhum treinador vindo de outro continente.
Um dos principais problemas do futebol brasileiro é o contexto tático. Os interpretes podem não ser os de outrora, mas tem talento e a longevidade necessária para galvanizar o conjunto brasileiro por muitos e bons anos. À ginga e à arte que impressionaram-me em criança, tem que inevitavelmente entrar uma maior rigidez tática, principalmente em termos defensivos. É comum, ver alterações constantes na linha defensiva canarinha. Os laterais projetam-se ao longo da lateral e nem sempre existe a cobertura pelo médio interior de cada lado do campo. À excepção de Casemiro, nenhum outro trinco (ou volante como carinhosamente dizem os nossos amigos brasileiros) tem a capacidade de encostar aos centrais (zagueiros) de forma a formar uma linha de três. É portanto comum, ver a linha defensiva em situações de um para um com o adversário, quer pela faixa lateral, quer no centro de área, onde geralmente Marquinhos e Gabriel Magalhães de forma isolada ocupam o eixo central da área.
Por último, o passar dos anos foi terrível para Neymar e ainda mais para quem se segue. A necessidade de ter um novo ídolo, que tenha a capacidade de trazer o almejado hexa para o país, colocou uma pressão desmedida para quem assume a penosa missão. Hoje em dia, Endrick (de apenas 17 anos!) é a prova viva que as comparações por vezes são inusitadas e injustas. Após as lesões de Neymar e Vinícius Jr., o Brasil pode estrear o jovem craque no onze titular, diante os atuais campeões do Mundo: a Argentina de Lionel Messi. Ocupando o 5º lugar da zona de qualificação sul-americana para o Mundial de 2026, o jogo é visto com preocupação por parte de todo o staff técnico. Que loucura seria lançar Endrick num jogo de tamanha responsabilidade? Que consequências pode ter o desafio para o jovem e para a melhor seleção de todos os tempos?
Tudo isto deve ser analisado, refletido e trabalhado no seio da CBF. Corremos o sério risco de ficar sem o Brasil na principal prova de seleções do Mundo. E quer se queira ou não, Mundial sem Brasil nunca será a mesma coisa.
Se o futebol deve à Inglaterra a sua história, deve também ao Brasil o seu talento. Não deixemos o futebol alegre e ousado morrer. “Quo vadis”, Brasil?